O morro mal assombrado de Chapada
Pessoas
estranhas estavam em nossa casa em Chapada dos Guimarães. Eu nunca tinha visto
aquelas pessoas. Mas por algum motivo meus pais as receberam lá.
Não
conheço alguém que goste de receber pessoas totalmente estranhas em casa. Isso
é uma verdade quase universal, e é também um ponto negativo de viver com os
pais, porque você não tem privacidade ou poder para dizer se você aceita que estranhos
compartilhem o banheiro com você. Provavelmente, meus irmãos estavam pensando o
mesmo.
Eles
conversavam com meus pais. De vez em quando, uma pergunta ou outra respingavam em mim, e eu respondia de maneira certeira, dando todos os detalhes que
porventura quereriam, afim de que não sobrasse motivo para repetecos. Se vocês estiverem
pintando uma imagem de um menino antissocial assistindo à televisão de tubo, acertaram
na lata.
Fora
da casa, os visitantes conversavam. O filme que passava na Sessão da Tarde era
deveras interessante, até que o vento me trouxe, através da janela, umas palavras
que me chamaram a atenção. Os visitantes descreviam um morro que ficava ali
perto, de subida íngreme e com a típica vegetação retorcida do cerrado
chapadense. Naquela hora, entendi qual era a deles. Eram aventureiros e estavam
usando nossa casa como um entreposto para a aventura!
Os
estranhos pegaram suas mochilas e anunciaram que estavam partindo naquele mesmo
instante. Eu me apresentei, bati continência e me juntei ao bando. Conosco foi
também meu irmão mais velho. Apesar de muito tentar, não consigo me lembrar de como
fomos até o pé do morro. A pé? De carro? Não sei. Outro detalhe muito
importante que esvaneceu da minha memória é o nome do morro, o que pode levar o
caro leitor a levantar uma sobrancelha, mas juro que a história é real, mesmo sem
o nome.
Chegamos
lá. Olhando para cima, para o topo do morro, você se convence de que não sabe onde se meteu. A
sensação é a mesma de olhar para o horizonte, na qual você não sabe se a terra
termina ou se o verde da terra se mescla com o azul do céu. O que estavam sugerindo
é que, de alguma forma, nós chegaríamos lá no alto.
À
medida que nos aproximávamos do topo, o tédio aumentava. A aventura já estava
se tornando monótona, mas o que me mantinha firme no propósito era ver o mundo
lá de cima. Quando eu teria essa oportunidade de novo?
A
face do morro não é lisa, suave, como parece ao longe. De perto, ela é como uma
escada de degraus de um metro ou mais. Para subir, é preciso galgar um degrau
de cada vez, usando galhos como apoio. Eu nunca era o primeiro da fila, nem o
último. Estava sempre sendo puxado e empurrado ao mesmo tempo, porque minhas
pernas não eram grandes o suficiente para subir sozinho os degraus. Meu irmão,
num ponto da subida, resolveu não continuar. Ele ficou para trás, sozinho, "apreciando o horizonte", e nós continuamos.
Finalmente,
eu fui puxado no último degrau do morro. O vento lá em cima podia me derrubar se eu deixasse. Bati na minha roupa para tirar um pouco da sujeira e ergui a
cabeça.
Se
eu tentasse descrever minha indignação, seria em vão. O que eu, horrorizado, vi no topo daquele morro em Chapada dos Guimarães eu nunca soube explicar.
O
topo do morro era plano e largo. Nenhuma árvore de pé. Além do azul do céu e do branco
das nuvens, a única cor visível era o preto do carvão que cobria a terra. Sobre o
chão, a vegetação fora destruída pelo fogo, e, no meio daquele cenário, por incrível
que pareça, havia um solitário e mirrado casebre de madeira, preto e consumido
pelas flamas.
Ficamos
parados. Uma moça me segurava como se tentasse me prevenir de ir até lá. Um
homem do grupo deu um passo à frente e, com movimentos rápidos, dirigiu-se ao
casebre enquanto o vento lambia suas roupas. Ele olhou dentro da casa, voltou
correndo e disse:
-
Vamos embora.
Descemos o morro, resgatamos meu irmão e me deixaram em casa.
Eu guardei aquela cena na memória. De tempos em tempos, a imagem daquela casinha voltava à minha cabeça, e essa história permaneceu vívida dentro de mim. Essa retomada frequente do acontecimento me faz lembrar dele como se fosse ontem. Conforme aumenta a distância da qual me recordo dele, surge uma fagulha ou outra de dúvida da minha sanidade, mas o que eu contei é o que eu vi com esses dois olhos que eu tenho na cara.
Só não me perguntem o que havia dentro daquela casinha...
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Meu nome é Mateus Elias e sou autor deste texto.
Sou cuiabano de chapa e cruz, também conhecido como Xomano do Saber.
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Adorei o texto! Mas o que havia dentro da casinha?
ResponderExcluirInfelizmente, nunca soube a resposta dessa pergunta.
ExcluirMuito bom! Vamos deixar o que tinha na casinha pra imaginação kkkk
ResponderExcluirSim. Mas admito que gostaria de saber o que levou àquilo...
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